domingo, 18 de setembro de 2011

"Anjos do Sol"

Na última sexta-feira, os alunos de Direito Penal II assistiram ao filme "Anjos do Sol", dirigido por Rudi Langemann. O filme demonstra uma realidade incômoda, que atinge a mais de cem mil crianças e adolescentes em situação de exploração sexual no Brasil. Muitas pesquisas mostram o perfil de vítimas, agressores e manifestações de violência, nessa situação, dados estarrecedores sobre o tráfico interno e internacional de pessoas para fim de exploração sexual e outros tipos de violações a direitos humanos.

Em meio a tantos crimes sexuais de bem jurídico duvidoso, o tráfico interno e internacional de pessoas para fins de exploração sexual, trabalho escravo ou remoção de órgão são tipos que demonstram a tal "ultima ratio" do Direito Penal. Aqui, visualizamos tantos bens jurídicos tutelados e, principalmente, a ausência de políticas públicas eficazes.

Para colaborar a (re)pensar estas práticas e políticas, todos nós devemos refletir sobre o assunto, estudá-lo com sensibilidade. Além disso, devemos atuar politicamente. O Ministério da Justiça abriu prazo para uma consulta virtual, pública, para reunir colaborações ao II Plano Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (II PNETP). A ideia é que as propostas sejam levadas ao Grupo de Trabalho Interministerial, composto por diversos órgãos governamentais, com a finalidade de gerar mais participação social. Todas as contribuições serão analisadas e farão parte do relatório final do GTI. Veja mais informações aqui.

Segue o trailer do filme, e um poema de Elisa Lucinda, intitulado "Lua nova demais".







Lua nova demais 
(Elisa Lucinda)

Dorme tensa a pequena
sozinha como que suspensa no céu
Vira mulher sem saber
sem brinco, sem pulseira, sem anel
sem espelho, sem conselho, laço de cabelo, bambolê
Sem mãe perto,
sem pai certo
sem cama certa,
sem coberta,
vira mulher com medo,
vira mulher sempre cedo.
Menina de enredo triste,
dedo em riste,
contra o que não sabe
quanto ao que ninguém lhe disse.
A malandragem, a molequice
se misturam aos peitinhos novos
furando a roupa de garoto que lhe dão
dentro da qual mestruará
sempre com a mesma calcinha,
sem absorvente, sem escova de dente,
sem pano quente, sem O B.
Tudo é nojo, medo,
misturação de “cadês.”
E a cólica,
a dor de cabeça,
é sempre a mesma merda,
a mesma dor,
de não ter colo,
parque
pracinha,
penteadeira,
pátria.
Ela lua pequenininha
não tem batom, planeta, caneta,
diário, hemisfério,
Sem entender seu mistério,
ela luta até dormir
mas é menina ainda;
chupa o dedo
E tem medo
de ser estuprada
pêlos bêbados mendigos do Aterro
tem medo de ser machucada, medo.
Depois mestrua e muda de medo
o de ser engravidada, emprenhada,
na noite do mesmo Aterro.
Tem medo do pai desse filho ser preso,
tem medo, medo
Ela que nunca pode ser ela direito,
ela que nem ensaiou o jeito com a boneca
vai ter que ser mãe depressa na calçada
ter filho sem pensar, ter filho por azar
ser mãe e vítima
Ter filho pra doer,
pra bater,
pra abandonar.
Se dorme, dorme nada,
é o corpo que se larga, que se rende
ao cansaço da fome, da miséria,
da mágoa deslavada
dorme de boca fechada,
olhos abertos,
vagina trancada.
Ser ela assim na rua
é estar sempre por ser atropelada
pelo pau sem dono
dos outros meninos-homens sofridos,
do louco varrido,
pela polícia mascarada.
Fosse ela cuidada,
tivesse abrigo onde dormir,
caminho onde ir,
roupa lavada, escola, manicure, máquina de costura, bordado,
pintura, teatro, abraço, casaco de lã
podia borralheira
acordar um dia
cidadã.
Sonha quem cante pra ela:
“Se essa Lua, Se essa Lua fosse minha…”
Sonha em ser amada,
ter Natal, filhos felizes,
marido, vestido,
pagode sábado no quintal.
Sonha e acorda mal
porque menina na rua,
é muito nova
é lua pequena demais
é ser só cratera, só buracos,
sem pele, desprotegida, destratada
pela vida crua
É estar sozinha, cheia de perguntas
sem resposta
sempre exposta, pobre lua
É ser menina-mulher com frio
mas sempre nua.
(Poema encomenda,1995)

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