sexta-feira, 23 de setembro de 2011

"Está nascendo um novo líder"...

A correria de entrega de projeto(s) de Doutorado, aulas, provas, artigos e coordenação de equipes de pesquisa tem me tomado mais tempo do que eu gostaria. Assim, uso mais um texto, primeiramente publicado no blog do GCCrim, sobre o já um pouco antigo "Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro".


Repriso-o, agora sabendo que todos já o viram, mas acho importante deixar uma opinião estabelecida sobre este filme, que tanto marcou o público brasileiro, que, no primeiro filme, identificou o Capitão Nascimento como um dos novos herois da nação. Acho que a reação ao segundo foi bem diferente.


Muitas questões atuais sobre o "sistema", a política de segurança pública e a invasão de polícia/Exército/BOPE nos morros cariocas, tão atuais, podem ser desenvolvidas a partir deste filme. Deixo aqui a minha pequena contribuição.


"Está nascendo um novo líder..."


Acabei de assistir a “Tropa de Elite 2”, duas semanas após o lançamento do filme. Confesso que ainda relutava a assisti-lo – não li, até agora, nenhuma crítica especializada (ou não), apenas fiquei com a premissa de que o filme deste ano seguiria a segunda parte do (bom) livro “Elite da Tropa”, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, mas devo dizer que fiquei com medo de uma “virada” na história que associasse enviesadamente a corrupção do chamado “sistema” ao heroísmo do Capitão Nascimento. Temia a "protogenização" da história.

No início, logo me identifiquei com o “idiota defensor de direitos humanos”, Diogo Fraga, personagem interpretada por Irandhir Santos. Já previa a mesma decepção ao me identificar, no primeiro filme, com os estudantes entusiasmados de Foucault. Pressentia minha frustração, especialmente com os arroubos de arrogância do agora Coronel Nascimento, que dizia que ele tinha acabado com o arrego dos policiais nas favelas, sem perceber que o “sistema” cria outras múltiplas portas, como as milícias.

No decorrer do filme, fui mudando de ideia. Fui percebendo que a luta do defensor de direitos humanos se tornava mais real, e o mito do herói Coronel Nascimento foi se desconstruindo na telona. Ele passa a se reconhecer como humano, que erra como pai, e também como massa de manobra do “sistema”, quando se dedica a um trabalho sem saber de suas consequências. E nós o acompanhamos neste reconhecimento – especialmente quando as palmas equivocadas do primeiro filme se retratam na cena do restaurante, nos primeiros momentos da continuação. Ali, o público que aplaudiu as investidas do Capitão Nascimento em suas torturas e operações já deveria desconfiar que as coisas mudaram um pouco de figura.

O envolvimento de políticos com milicianos se desdobra e se resume na corrupção de agentes públicos, que pressionam o tráfico de drogas e atingem todas as atividades da favela, como o comércio, o transporte público, luz, Internet e telefone. As milícias substituem o Estado e se colocam numa posição perigosa e completamente ilegal, fomentando a guerra civil. “Está nascendo um novo líder no morro do Pau da Bandeira”, canta o grupo de pagode na “festa da comunidade”, dando outra interpretação ao samba de Leci Brandão.

Achei muitíssimo importante retratar todas estas realidade no filme, mas temo o entendimento de que o problema das milícias seja apenas do Rio de Janeiro. Como lembra o próprio Coronel Nascimento, o ser humano tem a tendência a se complicar, a se enganar. Assim como temo que o público de Brasília, que aplaudiu ardentemente as cenas de tortura e violação a direitos humanos no primeiro filme e agora se manifestou tímida e vergonhosamente ao final desta continuação, não tenha prestado atenção suficiente na reprodução quase fiel do comportamento dos deputados federais, na fictícia Comissão de Ética.

A saída final para a política criminal e penitenciária, escolhida pelo voto de cada um dos eleitores, suscita uma boa discussão. Afinal, como disse um aluno no Curso de Extensão de Introdução à Criminologia do GCCrim, hoje de manhã, “ninguém presta atenção nas propostas de candidatos, na área da segurança pública, quando se diz que vão melhorar as condições de vida nos presídios”. Direitos humanos não são prioridade. Presos não são prioridade, são a classe subalterna. Pensar em políticas de segurança pública é complexo mesmo.

Saí do cinema com a certeza de que esta continuação merece até mais reflexões do que o primeiro filme, sobre o papel das polícias, das políticas de segurança pública, da falta de reflexão da população sobre o problema da violência e da corrupção. E, pessoalmente, um pouco mais resolvida quanto à minha opção profissional.

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