quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Estupro e acidente de trabalho


Reproduzo, aqui, um artigo da agora Defensora Pública Mônica de Melo, publicado no site do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, que aborda uma discussão muito interessante sobre Direito Penal e Direito do Trabalho, além de mostrar como as instituições podem enfrentar, com seriedade, as consequências de crimes sexuais.

Estupro e Acidente de Trabalho


Mônica de Melo
Diretora do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública
Procuradora do Estado de São Paulo

Não é novidade que a mulher trabalhadora sofra violência em seu local de trabalho, às vezes praticada pelo próprio patrão, às vezes pelos outros "colegas", sem que o empregador tome quaisquer providências para garantir a segurança e não-discriminação no escritório, na fábrica, na loja etc.
Mas as coisas estão começando a mudar e de um jeito surpreendente. Acontece que, recentemente, um caso de estupro foi reconhecido como "acidente de trabalho", isto sim uma grande novidade.
O caso envolveu uma trabalhadora que foi estuprada pelo filho de seu ex-empregador, que a chamou para ir à Associação de Lojistas, que funcionava em frente ao seu local de trabalho, a pretexto de participarem de uma reunião para discutir marketing promocional. Ao chegar ao local ela percebeu que não havia ninguém, mas ele já havia trancado a porta, e ameaçando-a com um objeto que encostou em seu pescoço a obrigou a se despir e consumou o estupro.
Encorajada pelas colegas de loja, ela levou o caso à Delegacia de Defesa de Mulher, fez o exame de corpo de delito e o resultado acusou a presença de esperma, que foi conservado para servir de prova. Ela saiu do emprego e entrou com uma ação trabalhista contra a empresa. Além disso moveu uma ação penal contra o estuprador e civil para obter indenização por dano material e moral.
Apoiada e orientada pelas entidades feministas "União de Mulheres do Município de São Paulo e "Oficina dos Direitos da Mulher" essa trabalhadora sentiu-se fortalecida para buscar a reparação da violação de seus direitos nas áreas penal, civil, trabalhista e previdenciária.
E foi justamente nesta última, que ela obteve a sua mais recente vitória com o reconhecimento do estupro como acidente de trabalho, pois desde o ocorrido, ela tem sofrido sérios problemas de saúde e sem condições físicas e psíquicas, não conseguiu mais arrumar um emprego.
Para que sua situação fosse reconhecida como acidente de trabalho, ela esteve no Centro de Referência de Saúde do Trabalhador André Grabois (Região- Sé) onde foi muito bem atendida por um grupo formado de psicóloga, psiquiatra, ginecologista e equipe de vigilância. Foi feito um laudo de exame médico (LEM) e o Comunicado de Acidente do Trabalho (CAT), sendo assim, reconhecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o acidente de trabalho. Como resultado o auxílio-doença acidentário tem sido pago, ajudando a diminuir os problemas que vem enfrentando por não ter mais conseguido trabalhar.
Relatamos esse caso pois o consideramos importante para poder mostrar às mulheres que se encontrarem em situação semelhante, que o direito prevê várias formas de enfrentar essa violência ocorrida no local do trabalho. É importante que as mulheres saibam de todos os recursos jurídicos que estão à disposição para a punição e reparação do mal que sofreram.
Denunciar o estupro não é uma decisão fácil. Muitas mulheres não o denunciam por vergonha, por medo ou porque não confiam na resposta do Estado, ou ainda temem ser acusadas de terem facilitado a situação. E isso não acontece à toa. Infelizmente não são poucos os casos em que a mulher, vítima de estupro, acaba sendo "investigada", para se saber se ela não "provocou" o estupro, porque usava saias curtas, era muito sedutora, estava andando sozinha fora de casa e outras coisas que, na cabeça de muitos homens, servem de desculpa para se cometer esse crime. E aí não é de estranhar que em alguns processos judiciais, apesar de todas as provas, o réu seja absolvido e a mulher transformada em "culpada".
Portanto é fundamental que as mulheres denunciem, busquem seus direitos e utilizem todos os meios jurídicos que estejam disponíveis. Só assim poderemos ter a esperança de construir uma sociedade na qual a mulher possa encontrar paz e segurança onde quer que se encontre.

Um comentário:

  1. Professora, por favor quando o estupro é no percurso do trabalho, ida ou retorno, como pode ser considerado acidente de trabalho?

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