quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Palestra - O princípio da insignificância no novo Código Penal


 

Palestra – Princípio da insignificância no novo Código Penal
Data: 08/11/2012, das 10h às 12h
Local: Auditório do Bloco 3 do UniCEUB

 

Programação:

10h – 10h15 – Credenciamento (Entrega da pesquisa a ser discutida)
10h15 – 10h45 – Abertura – Carolina Costa Ferreira (UniCEUB) e Marivaldo de Castro Pereira (Secretário de Assuntos Legislativos – Ministério da Justiça)
10h45 – 11h15 – Apresentação de pesquisa sobre a aplicação do princípio da insignificância (FD – USP) – Ana Carolina Carlos de Oliveira (Pesquisadora da Faculdade de Direito da USP)
11h15 – 12h – Críticas à normatização do princípio da insignificância no PLS nº 236/2012 e análise do trâmite legislativo – Ela Wiecko Volkmer de Castilho (Professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia da UnB)

 

Não haverá inscrição prévia (participação sujeita à existência de vagas, de acordo com a capacidade do auditório).

Maiores informações no NEAC/UniCEUB - Tel: (61) 3966-1464.


 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ser professor, professora...


No dia dxs professorxs, falar sobre a atividade docente é um clichê inevitável. É importante refletir sobre o papel da educação em nossa sociedade, e me sinto mais à vontade para falar sobre a educação superior, meu “esporte de combate” atual.

Ser professor é ser complexo. No mínimo, é carregar algumas preocupações relacionadas ao término do conteúdo, ao nível das provas, às respostas dos alunos em sala de aula. Na minha opinião, a atividade docente depende de aprofundamento na teoria, estudando sempre, sem nunca se esquecer da prática de nosso sistema de justiça (criminal, no meu universo) e das dificuldades de inserção ou de compreensão de uma corrente-processualística-europeia-rococó no Brasil. É, principalmente, preocupar-se com a utilidade de determinado conhecimento para a vida do aluno, cidadão, estudante de Direito, futuro membro deste campo jurídico. Utilidade não no sentido utilitarista da coisa, mas sim em dar sentido àquele conceito, àquela teoria, fazer com que a coisa toda seja minimamente coerente. Não é fácil.

Ser professor é trabalhar MUITO. Elaborações e correções de provas e de exercícios, monografias, reuniões pedagógicas, palestras e leituras demandam muito tempo. Além disso, a capacidade de reflexão (dx professor e dxs alunxs) precisa de um certo tempo de respiração, nem sempre possível.

Exatamente pela falta de tempo para uma maior reflexão (que deveria acontecer, talvez, levando os cachorros para passear ou tomando um café demorado em algum bistrô), ser professor é viver inquieto. É “pensar alto”, refletir sobre problemas, tentando ora resolvê-los, ora diagnosticá-los. Ser professor é ser crítico – do sistema processual, da lei, da sociedade, do mundo. Mas também é fazer parte dele, levando informações aos alunos. E é aí que o professor tem a maior responsabilidade possível: indicar fontes de informação, torná-las acessíveis para que os alunos sejam sujeitos pensantes, formadores de opinião.

Sempre digo que estudantes de Direito que não têm opinião sobre determinados assuntos ainda não se descobriram estudantes de Direito. O que trato por “opinião” é o desenvolvimento de um argumento – que pode ser originado de questões morais, religiosas, político-partidárias, qualquer coisa –, mas que deve guardar coerência. É importante que o estudante saiba disto.

Ser professor é, por fim, ser estudante sempre. É manter uma relação direta com os alunos, sem autoritarismo infundado. É aprender sempre – com a realidade dos alunos, com novos argumentos e teorias, com as pesquisas e trabalhos desenvolvidos. Ser professor é estar inserido neste círculo tão importante que é a sociedade brasileira, é se posicionar, é defender a liberdade de fala, de escrita, de pensamento. 

Ser professor é ser livre.


*Este post é uma pequena homenagem a todos os professores que marcaram a minha vida. Nominalmente, lembro-me de Benildes Bizinotto Catanant, José Maria Ferreira Madureira, Silvana Elias, Clovis de Carvalho Júnior, Maria Regina Pagetti-Moran, Paulo César Corrêa Borges, Cristiano Paixão e Ela Wiecko Volkmer de Castilho, mas há tantos outros que foram e ainda são importantes ao meu constante processo de aprendizado. Não posso deixar de mencionar minha grande professora primária, querida, carinhosa, paciente, que me ajudou tanto na primeira infância e continua ouvindo meus desabafos sobre a docência: minha mãe, Ivonete Maria Costa Ferreira, professora mais do que vocacionada. Obrigada a me ajudar a seguir sua profissão.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Dia 28 de setembro!

Hoje é o dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe. A foto abaixo resume o que, na minha opinião, deve ser feito quanto ao tema: educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer. É isso.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Anotações sobre o Seminário Crítico da Reforma Penal (Parte 1)


Após a realização do Seminário Crítico da Reforma Penal, sob a coordenação científica do Prof. Dr. Juarez Tavares, tive que tirar o blog da inércia. Como o Marcelo Semer, vou trazer minhas anotações e percepções sobre o Projeto de Código Penal numa sequência de posts, que abordarão os pontos mais incômodos do “Projeto Sarney-Dipp”, assim chamado durante o Seminário pelo Prof. Salo de Carvalho.

*Antes de ler os posts, é importante abrir e ler o Projeto de Código Penal, tal como foi proposto pela Comissão do Senado.

Vou dividir as análises a partir das mesas às quais assisti; neste primeiro post, trago um resumo das duas primeiras mesas da manhã de 12 de setembro, que reuniu os Professores Tiago Joffily, Vera Regina Pereira de Andrade, Alexandre Morais da Rosa e Alcides da Fonseca Neto.

É importante dizer que o seminário todo será degravado e publicado posteriormente pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Assim, estas anotações servem apenas para matar um pouquinho da curiosidade de todos sobre os debates de altíssima qualidade realizados durante o seminário.

O primeiro a falar, na manhã de 12 de setembro, foi o Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Tiago Joffily, autor do livro “Direito e compaixão”, editado pela Revan, abordou “o princípio da lesividade no novo CP”. Em primeiro lugar, mencionou que alguns aspectos denominados por alguns como avanços são, em sua visão, “falsos avanços” ou “retrocessos inrustidos”, pois, se são limitadores de poder punitivo, são arbitrários na prática, e estão incorporados ao Projeto de Código Penal como “recuo estratégico” para a preservação do punitivismo “na medida do possível”.

Mencionou ainda que o art. 14, caput do Projeto de Código Penal é uma tentativa de positivação do princípio da lesividade, e criticou muito o uso da potencialidade para a interpretação de um fato, o que demonstraria a intenção simbolista do projeto:

O fato criminoso
Art. 14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza ofensa, potencial ou efetiva, a determinado bem jurídico.
Parágrafo único. O resultado exigido somente é imputável a quem lhe der causa e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do tipo.

Há, na redação proposta pela Comissão, uma tentativa de inserção de um conceito analítico de crime que sempre foi minoritário na doutrina. Não haveria qualquer problema nesta tentativa se ela fosse acompanhada de sólida base teórica (o que não ocorre) e se não houvesse incoerência com outros dispositivos, como é o caso do art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, em contraposição à redação do art. 28 (princípio da insignificância).

O artigo 1º do Projeto de Código Penal define que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Nada de novo. É preocupante, porém, seu parágrafo único: “não há pena sem culpabilidade”. Para o Projeto de Código Penal, a culpabilidade é pressuposto para a aplicação da pena.

O Professor conclui, dizendo que a falta de traquejo da Comissão para tratar de alguns conceitos é produto das reflexões do Direito Penal atual, que não sabe mais seus conceitos importantes, como bem jurídico, culpabilidade, perigo, dentre outros.

Foto: Universidade sem Muros - universidadesemmuros.blogspot.com.br
A segunda fala coube à Profa. Dra. Vera Regina Pereira de Andrade, uma das maiores referências da Criminologia Crítica no Brasil. A Professora abordou os aspectos criminológicos da reforma penal. Suas palavras foram emocionantes, pois, desde o início, apontou o seu lugar de fala: a Criminologia com base no paradigma do controle social, denominada criticismo criminológico, que possui 50 anos de análises acumuladas sobre o funcionamento do sistema penal. Todas estas conclusões da Criminologia, segundo a Professora, não podem mais ser ignoradas, sob pena de formularmos discursos e ações de grande atraso epistemológico e político.

Vera Andrade faz uma viagem, mencionando os pensamentos criminológicos, desde seu início até o alcance de uma “maturidade” na Criminologia Crítica, que representa uma grande crítica ao Positivismo. A Criminologia Crítica expõe um discurso de deslegitimação dos sistemas punitivos, com apoio em uma premissa básica: a contradição entre as funções declaradas do sistema penal (promessas não cumpridas) e as funções realmente cumpridas, mas que o sistema não as declara. A primeira conclusão da Criminologia, na voz da Profa. Vera Andrade, chega à eficácia invertida dos sistemas penais.

O sistema penal, neste contexto, é estruturalmente incapaz de cumprir suas funções historicamente declaradas: proteger bens jurídicos, cumprir prevenção geral e especial e as funções ressocializadoras da pena. Para a Criminologia Crítica, a função real do sistema penal é a construção social da criminalidade e do criminoso. Tal construção é seletiva, desigual e violenta, de base classista, racista e sexista.

Para Vera Andrade, “o sistema penal é um instrumento de dominação de classe e de reprodução de marginalidade social. Há a reprodução dos ‘ismos’: capitalismo, racismo, patriarcado, classismo”.
“Não há quem trabalhe no sistema que não seja afetado. Todos os membros do Sistema de Justiça Criminal deveriam ter direito à terapia, por lidar diariamente com tanta dor.”

A Professora Vera é contundente: “Não aceitamos esta reforma. Não há como um penalista criminologicamente crítico receber este ‘tanque simbólico de guerra interna’ que é o Projeto de Código Penal sem sentir uma enorme sensação de derrota, de luto. Por que estou enlutada como criminóloga, cidadã, mãe, pessoa da República Brasileira? Vou percorrer os objetivos declarados da reforma e contrastá-los com a realidade do sistema penal.”

E a Professora Vera continua abordando as iniciativas da Comissão de Reforma do Código Penal, sob o ponto de vista da Criminologia Crítica: “ao silenciar sobre os fins da pena e demonstrar que a intenção de seus redatores era construir um sistema que dê conta da segurança jurídica, forma-se um ‘modelo Napoleônico’ do Direito”. Para a Professora, este é o primeiro Imperador da reforma; além disso, pretende-se sistematizar as funções do Direito Penal, pois a falta de legitimidade do sistema penal, segundo a Comissão, se concentra na “colcha de retalhos” que se transformou a nossa legislação penal.
Vera Andrade traduz em miúdos: “Esta reforma representa o sucesso do Simbolismo. A prisão é um sucesso histórico, apesar de toda a sua deslegitimação. Se chegamos até aqui, é porque temos um pacto de continuidade, sustentando toda esta reforma penal.”

Para a Professora, há déficits na reforma do Código Penal, que podem ser assim divididos:
·    
- -  1º déficit: empírico – a reforma não se coaduna com o sistema prisional (não há compromisso com a redução da população carcerária. Muito pelo contrário, as alterações previstas podem alcançar um aumento vertiginoso no número de pessoas presas no Brasil).
· 2º déficit: teórico – não há qualquer compromisso com uma teoria crítica e criminológica.
·3º déficit: dialógico – com o próprio poder que pretende punir mais. Ao mesmo tempo em que se desenvolve no Brasil uma Comissão dita “plural” para alterar o Código Penal, o Ministério da Justiça monta uma rede de políticas descarcerizadoras –representada, por exemplo, pela Central de Penas e Medidas Alternativas –, além de realizar a Conferência Nacional de Segurança Pública, questionando os paradigmas de segurança pública. A Comissão não dialogou com nenhum destes trabalhos institucionais de busca de solução de conflitos. Também não há diálogo com o CNJ, que realiza os mutirões carcerários; não há diálogo com nenhuma destas instâncias, que também são governamentais.
·   4º déficit – Déficit com a CPI do Sistema Carcerário, do próprio Poder Legislativo – não há qualquer menção à realidade identificada pela CPI.

O paradoxo destes déficits: a Comissão foi nomeada, na realidade, para produzir mais penas, sem diálogo com a teoria ou com as penas.

A Professora Vera alerta: “Esta reforma não é feita para os nossos filhos, mas para os filhos da rua. Somos os gestores desta reforma, confortavelmente protegidos (em salas de aula e gabinetes), enquanto os humildes sofrerão. Somos uma elite que possui uma grande responsabilidade. Só consigo ver tragédias no fim do túnel. Qual é a potência da reforma? É a potência genocida, que trata o ser humano como objeto de mercado. Ainda é um tiro no pé. Professores universitários são a matriz ideológica do sistema de justiça. Nossa palavra talvez seja das mais importantes. Além de potencializar a dor do outro, esta reforma é um tiro no pé para nós, pois ela vai agudizar a crise do atual sistema de justiça.
Esta não é uma reforma republicana, mas imperial. O segundo imperador da Reforma é José Sarney, que preside uma Comissão que não ouve os demais. Os juristas parecem “bobos da corte” em volta de Sarney, que é uma das heranças mais fidedignas de nossa sociedade escravocrata.”

E termina sua fala mencionando a (infeliz) dedicatória feita, pessoalmente pelo relator da Comissão, aos meninos João Hélio e Ives Ota... em oposição, a Professora reage: “quero dedicar minha fala a todos os meninos anônimos que moram, morrem, sofrem em nossa sociedade. O sistema que temos é indigno!”

- O Seminário Crítico da Reforma Penal produziu uma carta, transformada em uma petição online, para que todos os que rejeitam esta proposta tão recrudescente possam se manifestar. Eu já a assinei, e você?

sábado, 9 de junho de 2012

A importância da Marcha das Vadias (ou sobre gênero, luta e amizades, não necessariamente nesta ordem...)



“CHARLOTTE
O que aconteceria se uma mulher despertasse uma manhã transformada em homem? E se a família não fosse o campo de treinamento onde o menino aprende a mandar e a menina a obedecer? E se houvesse creches? E se o marido participasse da limpeza e da cozinha? E se a inocência se fizesse dignidade? E se a razão e a emoção andassem de braços dados? E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade? E se ninguém fosse propriedade de ninguém?
Charlotte Gilman delira. A imprensa norte-americana a ataca, chamando-a de “mãe desnaturada”, e mais ferozmente a atacam os fantasmas que moram em sua alma e a mordem por dentro. São eles os temíveis inimigos que Charlotte contém, quem às vezes conseguem derrubá-la. Mas ela cai e se levanta, e torna a se lançar pelo caminho. Esta tenaz caminhadora viaja sem descanso pelos Estados Unidos e, por escrito e por falado vai anunciando, nos começos do século XX, um mundo ao contrário.” (GALEANO, Eduardo. Mulheres. Trad. Eric Nepomuceno. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 122)


Há um tempinho, uma grande amiga mandou uma mensagem inbox, no Facebook, para mim e outra amiga, perguntando “o que é essa Marcha das Vadias de que vocês tanto comentam”. Minha outra amiga encaminhou o link da Wikipédia sobre a Marcha, para que ela minimamente soubesse do que se trata. E a resposta dela foi: “nossa, é sério que a gente ainda precisa desse tipo de movimento? Estou chocada!”

Na hora, só suspirei. Na verdade, para mim, a Marcha das Vadias tem uma simbologia muito maior do que a sua própria luta: significa me incluir num movimento em que realmente acredito, especialmente por sua forma de construção: coletiva, horizontal, democrática, que toma corpo a cada ano. Na Marcha de 2012, em Brasília, tivemos cerca de 4 mil pessoas lutando por igualdade de gênero, pelo fim da violência contra a mulher, pela construção de uma sociedade inclusiva. E, sim, a gente PRECISA de movimentos como este. Na verdade, em tempo de neoconservadorismos, acho que nunca precisamos tanto de vozes nas ruas para defender direitos e garantias fundamentais.

Marcha das Vadias em Brasília (26/05/2012)
Foto do álbum da Marcha das Vadias DF
A defesa pela igualdade de gênero ganha contornos cada vez mais complexos: a ideia do senso comum é de que as mulheres “já ganharam igualdade de direitos”, pois votam tais como os homens, trabalham e estudam como os homens, têm liberdade para se separar de seus maridos e, hoje, temos até uma Presidenta do Brasil. Seria o melhor dos mundos, não?

Infelizmente, não. Mulheres ganharam o direito a voto, plenamente, em 1934, e até hoje não temos representatividade suficiente em cargos políticos ou em instrumentos de participação social.  Em relação à (des)igualdade de salários e de condições de trabalho, a luta ainda é muito grande: em recente estudo do IPEA, notam-se distinções de gênero no uso do tempo destinado ao trabalho doméstico por mulheres e homens. Os crescentes casos de violência contra a mulher fizeram com que o próprio Supremo Tribunal Federal alterasse a modalidade de ação penal cabível para o caso de lesões corporais praticadas no âmbito da violência doméstica e geram compromissos do Poder Executivo para a diminuição destas ocorrências.

É curioso como debates que envolvem gênero, lutas por reconhecimento, estratégias de mobilização às vezes despertam opiniões tão diversas; há quem entenda que já vivemos em uma sociedade “moderna demais”, e por isso as mulheres e os homens comprometidos com a igualdade de gênero devem criar outras formas de luta (como a advovacy feminista, a participação como amicus curiae em processos em trâmite no Supremo Tribunal Federal), que não a ocupação das ruas. Mas o sentimento de ocupá-la, de gritar pela igualdade, talvez tenha uma função muito maior de empoderamento do que de transformação social. Sair da posição de vítima silenciosa para a “vadia barulhenta”; tomar seu lugar no mundo, nas ruas, na sociedade. Muita gente pergunta: “vocês saíram da Marcha, voltaram para as suas casas, e quem apanha continua apanhando”. Sim, infelizmente, serão necessárias muitas e muitas marchas, lutas, conquistas legislativas e políticas públicas para a alteração dessa realidade. Seguimos lutando por um mundo ao contrário de verdade.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Audiência pública discutirá nova redação para o Título dos crimes contra a vida, do Código Penal


Fonte: IBCCrim



A Comissão de Reforma do Código Penal, instituída pelo Senado Federal, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) irá promover no dia 24 de fevereiro audiência pública para discutir a proposta do capítulo dos "Crimes contra a vida" do anteprojeto do novo código penal. A audiência pública acontecerá às 14 horas no “Salão dos Passos Perdidos”, localizado no 2ª andar do Palácio da Justiça. A participação será livre.

Certamente há muitos ajustes a serem feitos, inclusive para contribuir à resolução dos nossos inúmeros problemas carcerários.

Isso exige uma reforma coordenada do Código, como a que é proposta.

Homicídio

As alterações buscam incluir a forma qualificada de homicídio àquelas que hoje são denominados como homicídio qualificado, acrescentando como forma qualificada aqueles que pratiquem crimes por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual, deficiência física ou mental, condição de vulnerabilidade social, religião, origem, procedência nacional ou em contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher e por dois ou mais agentes que atuem com a finalidade de extermínio de pessoas.

A mudança prevê também a alteração da pena do crime de homicídio culposo, que antes era de um a três anos, com a nova redação passaria a ser de dois a quatro anos. Acrescentando ainda a tal modalidade da Culpa gravíssima nas hipóteses em que as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena nestes casos poderá variar de quatro a seis anos de reclusão. Ainda prevendo o aumento até a metade nas referidas hipóteses: se o agente deixar de prestar socorro à vítima, quando possível e sem risco à sua pessoa ou de terceiro;não procura diminuir as consequências do crime ou quando violar regras sobre a prevenção de acidentes do trabalho.

Por fim, no que se refere ao homicídio culposo, a proposta dedica parágrafo próprio, explicitando as hipóteses de isenção de pena, onde o juiz deixará de aplicar a pena, se a vítima for ascendente, descendente, cônjuge, companheiro, irmão ou pessoa com quem o agente esteja ligado por estreitos laços de afeição ou quando o próprio agente tenha sido atingido, física ou psiquicamente, de forma comprovadamente grave, pelas consequências da infração. A proposta reduz o poder de discricionariedade do juiz, deixando de forma taxativa as hipóteses de isenção.

Eutanásia

A proposta vem polemizar criando uma nova figura no Código Penal, da Eutanásia nas hipóteses em que o agente matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave, podendo a pena, neste caso de Detenção, variar de dois a quatro anos.

O tipo penal prevê em seu parágrafo primeiro, casos em que o juiz deixará de aplicar a pena quando avaliar as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

A mudança também prevê a exclusão da ilicitude ao crime de eutanásia, nas hipóteses em que o agente deixar de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente, quando a doença grave for irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.

Nessa parte, a mudança se faz pontualmente no que se refere as penas, prevendo a alteração nos casos em que o suicídio se consuma ou resulta lesão corporal grave, neste casos a pena poderá variar de um a quatro anos, sendo que na atual redação a pena varia de um a três anos

O que hoje é permitido para que se duplicasse a pena, com as novas possíveis alterações poderá variar de um terço até a metade nas hipóteses em que o crime for cometido por motivo egoístico, contra criança ou adolescente ou contra quem tenha a capacidade de resistência diminuída, por qualquer causa.

Infanticídio

As mudanças sugeridas nesse ponto referem-se a exclusão da figura do coautor e partícipe, bem como a diminuição da pena máxima prevista atualmente de seis para quatro anos.

Aborto

A maioria das alterações sugeridas no que se refere ao crime de aborto, também pontuam no campo das penas, podemos concluir que as propostas referentes ao aborto, feito com o consentimento da gestante, diminuirá consideravelmente, propondo-se um abrandamento. Já na hipótese de aborto provocado por terceiro, o tipo penal que previa reclusão de três a dez anos, passará a ser detenção de seis meses há dois anos. A proposta também visa alterar o crime de aborto provocado pela própria gestante ou com seu consentimento, que diminuiria significativamente para seis meses a dois anos.

Já a proposta para o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante haverá um endurecimento, visto que a pena mínima passaria de três para quatro anos, podendo ser aumentada de um terço, se em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante vier a sofrer lesão corporal de natureza grave; e duplicada, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte, revogando-se dessa maneira o artigo 127 do Código Penal de 1941, aplicando-se a regra do concurso de crimes para o tipo do art.126 (aborto consentido).

Por fim, polemizando ainda mais, a proposta acrescenta duas novas hipóteses de exclusão do crime de aborto para quando comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestados por dois médicos, por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação ou quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

De acordo com o procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, relator da comissão instituída pelo Senado para elaboração do anteprojeto, o evento é uma oportunidade de mostrar as mudanças propostas e ouvir a população sobre os crimes contra a vida (homicídio, eutanásia, aborto, etc.). Para fazer uso da palavra durante a audiência é preciso se cadastrar com antecedência por meio do Formulário de Inscrição (clique aqui para acessá-lo).

No site da PRR-3 é possível conhecer as mudanças que serão discutidas. Basta clicar no banner da audiência, acessando o endereçowww.prr3.mpf.gov.br .Mais informações podem ser obtidas ainda pelo telefone (11) 2192-8873 ou do email crimescontraavida@prr3.mpf.gov.br.

(clique aqui para acessar a proposta de alteração)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A "evolução" das ciências penais


Com o reinício das aulas, o blog será retomado para a discussão de aspectos interessantes / atuais das ciências penais. Tentarei atualizá-lo com uma certa regularidade.

Sempre inicio as aulas da Parte Especial do Código Penal com uma breve introdução, para lembrar aos alunos do antigo-novo-sempre-revisitado “modelo das ciências penais integrais”, de Franz von Liszt, que separa, para depois unificar, Criminologia, Política Criminal e Direito Penal.

A Criminologia, dentre tantos pensamentos – desde a chamada “Escola Clássica” à Criminologia da Reação Social e, atualmente, à Criminologia Cultural –, preocupa-se com fatos, com momentos vividos individual ou coletivamente. A Criminologia não se deixa mais levar por argumentos de cunho essencialmente biológico, ou fundamentos sociológicos pouco práticos. A Criminologia, para continuar fazendo a diferença, deve expor um diagnóstico e, também, desenvolver propostas, e caminhos para outra direção que não a simples e seletiva punição. Veio em boa hora a tradução, por Salo de Carvalho, de um ótimo artigo de Jeff Ferrell, chamado "Morte ao método". Vale a pena a sua leitura.

A Política Criminal, com tantos “movimentos”, pode trazer perspectivas mais libertárias, como o Abolicionismo, ou mais duras, como o Direito Penal do Inimigo e os movimentos de Lei e Ordem (sobre eles, o artigo de Moysés Pinto Neto vai ao ponto).

Por fim, chega-se ao Direito Penal: esse emaranhado de normas constitucionais e legais, para não trazer a discussão anterior à norma (o processo legislativo e suas intensas tomadas de decisão) e posterior à positivação, com a análise do Poder Judiciário sobre a constitucionalidade, a ilegalidade ou “adequação” da norma.

Sobre este último ponto, segue uma notícia do sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, que dá conhecimento sobre um julgamento de Habeas Corpus interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a respeito da Lei nº 12.258/2009. O HC foi arquivado porque o pedido era relativo aos “saidões” do Natal de 2010 e do Ano Novo de 2011; porém, a Defensoria ainda se utilizava de um fundamento pela desproporcionalidade da medida, pois “a regra imporia uma situação mais gravosa aos presos e, por isso, não poderia retroagir para alcançar aqueles que cometeram crimes antes da entrada em vigor da lei, em 2010”.

Apesar das razões práticas para o arquivamento – decurso de tempo e revogação das portarias que concederam o “saidão” –, o Relator, Ministro Lewandowski, argumenta, segundo a notícia, que é possível discutir a inconstitucionalidade de um dispositivo legal por HC, desde que esta discussão tenha passado antes pelas instâncias anteriores.

Algumas coisas são passíveis de análise neste caso: em primeiro lugar, a louvável atuação da Defensoria Pública, preocupada em discutir aspectos constitucionais referentes à aplicação do monitoramento eletrônico de presos; em segundo lugar, a disposição dos Ministros da Segunda Turma em discutir a questão, ainda que o caso já tivesse fundamentos mais simples para julgamento. Por último, ressalte-se a declaração do Ministro Lewandowski (reproduzo notícia do site oficial e, portanto, confio em sua fidedignidade):

“É uma solução hoje adotada nos países mais avançados do ponto de vista democrático. Daquela bola de ferro com a corrente que os presos arrastavam até a tornozeleira eletrônica houve um importante avanço”, acrescentou o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo.

Será que é isso que queremos???? Um “importante avanço”, das bolas de ferro às tornozeleiras eletrônicas?? Em 300 anos de “Direito Penal Moderno”, evoluímos para isto? É suficiente, necessário, correto?

Tendo a dizer que não. Nossa Constituição não nos permite apenas isto; permite uma defesa ferrenha da integridade e dignidade humanas, ainda que por meio do Direito Penal em alguns casos.

Por um lado, posicionamentos como este desanimam quem pensa em soluções diferentes ao sistema de justiça; por outro, podem animar quem pensa diferente a insistir em teses pautadas na interpretação constitucional, na defesa dos direitos humanos.