sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Dia 28 de setembro!

Hoje é o dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe. A foto abaixo resume o que, na minha opinião, deve ser feito quanto ao tema: educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer. É isso.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Anotações sobre o Seminário Crítico da Reforma Penal (Parte 1)


Após a realização do Seminário Crítico da Reforma Penal, sob a coordenação científica do Prof. Dr. Juarez Tavares, tive que tirar o blog da inércia. Como o Marcelo Semer, vou trazer minhas anotações e percepções sobre o Projeto de Código Penal numa sequência de posts, que abordarão os pontos mais incômodos do “Projeto Sarney-Dipp”, assim chamado durante o Seminário pelo Prof. Salo de Carvalho.

*Antes de ler os posts, é importante abrir e ler o Projeto de Código Penal, tal como foi proposto pela Comissão do Senado.

Vou dividir as análises a partir das mesas às quais assisti; neste primeiro post, trago um resumo das duas primeiras mesas da manhã de 12 de setembro, que reuniu os Professores Tiago Joffily, Vera Regina Pereira de Andrade, Alexandre Morais da Rosa e Alcides da Fonseca Neto.

É importante dizer que o seminário todo será degravado e publicado posteriormente pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Assim, estas anotações servem apenas para matar um pouquinho da curiosidade de todos sobre os debates de altíssima qualidade realizados durante o seminário.

O primeiro a falar, na manhã de 12 de setembro, foi o Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Tiago Joffily, autor do livro “Direito e compaixão”, editado pela Revan, abordou “o princípio da lesividade no novo CP”. Em primeiro lugar, mencionou que alguns aspectos denominados por alguns como avanços são, em sua visão, “falsos avanços” ou “retrocessos inrustidos”, pois, se são limitadores de poder punitivo, são arbitrários na prática, e estão incorporados ao Projeto de Código Penal como “recuo estratégico” para a preservação do punitivismo “na medida do possível”.

Mencionou ainda que o art. 14, caput do Projeto de Código Penal é uma tentativa de positivação do princípio da lesividade, e criticou muito o uso da potencialidade para a interpretação de um fato, o que demonstraria a intenção simbolista do projeto:

O fato criminoso
Art. 14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza ofensa, potencial ou efetiva, a determinado bem jurídico.
Parágrafo único. O resultado exigido somente é imputável a quem lhe der causa e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do tipo.

Há, na redação proposta pela Comissão, uma tentativa de inserção de um conceito analítico de crime que sempre foi minoritário na doutrina. Não haveria qualquer problema nesta tentativa se ela fosse acompanhada de sólida base teórica (o que não ocorre) e se não houvesse incoerência com outros dispositivos, como é o caso do art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, em contraposição à redação do art. 28 (princípio da insignificância).

O artigo 1º do Projeto de Código Penal define que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Nada de novo. É preocupante, porém, seu parágrafo único: “não há pena sem culpabilidade”. Para o Projeto de Código Penal, a culpabilidade é pressuposto para a aplicação da pena.

O Professor conclui, dizendo que a falta de traquejo da Comissão para tratar de alguns conceitos é produto das reflexões do Direito Penal atual, que não sabe mais seus conceitos importantes, como bem jurídico, culpabilidade, perigo, dentre outros.

Foto: Universidade sem Muros - universidadesemmuros.blogspot.com.br
A segunda fala coube à Profa. Dra. Vera Regina Pereira de Andrade, uma das maiores referências da Criminologia Crítica no Brasil. A Professora abordou os aspectos criminológicos da reforma penal. Suas palavras foram emocionantes, pois, desde o início, apontou o seu lugar de fala: a Criminologia com base no paradigma do controle social, denominada criticismo criminológico, que possui 50 anos de análises acumuladas sobre o funcionamento do sistema penal. Todas estas conclusões da Criminologia, segundo a Professora, não podem mais ser ignoradas, sob pena de formularmos discursos e ações de grande atraso epistemológico e político.

Vera Andrade faz uma viagem, mencionando os pensamentos criminológicos, desde seu início até o alcance de uma “maturidade” na Criminologia Crítica, que representa uma grande crítica ao Positivismo. A Criminologia Crítica expõe um discurso de deslegitimação dos sistemas punitivos, com apoio em uma premissa básica: a contradição entre as funções declaradas do sistema penal (promessas não cumpridas) e as funções realmente cumpridas, mas que o sistema não as declara. A primeira conclusão da Criminologia, na voz da Profa. Vera Andrade, chega à eficácia invertida dos sistemas penais.

O sistema penal, neste contexto, é estruturalmente incapaz de cumprir suas funções historicamente declaradas: proteger bens jurídicos, cumprir prevenção geral e especial e as funções ressocializadoras da pena. Para a Criminologia Crítica, a função real do sistema penal é a construção social da criminalidade e do criminoso. Tal construção é seletiva, desigual e violenta, de base classista, racista e sexista.

Para Vera Andrade, “o sistema penal é um instrumento de dominação de classe e de reprodução de marginalidade social. Há a reprodução dos ‘ismos’: capitalismo, racismo, patriarcado, classismo”.
“Não há quem trabalhe no sistema que não seja afetado. Todos os membros do Sistema de Justiça Criminal deveriam ter direito à terapia, por lidar diariamente com tanta dor.”

A Professora Vera é contundente: “Não aceitamos esta reforma. Não há como um penalista criminologicamente crítico receber este ‘tanque simbólico de guerra interna’ que é o Projeto de Código Penal sem sentir uma enorme sensação de derrota, de luto. Por que estou enlutada como criminóloga, cidadã, mãe, pessoa da República Brasileira? Vou percorrer os objetivos declarados da reforma e contrastá-los com a realidade do sistema penal.”

E a Professora Vera continua abordando as iniciativas da Comissão de Reforma do Código Penal, sob o ponto de vista da Criminologia Crítica: “ao silenciar sobre os fins da pena e demonstrar que a intenção de seus redatores era construir um sistema que dê conta da segurança jurídica, forma-se um ‘modelo Napoleônico’ do Direito”. Para a Professora, este é o primeiro Imperador da reforma; além disso, pretende-se sistematizar as funções do Direito Penal, pois a falta de legitimidade do sistema penal, segundo a Comissão, se concentra na “colcha de retalhos” que se transformou a nossa legislação penal.
Vera Andrade traduz em miúdos: “Esta reforma representa o sucesso do Simbolismo. A prisão é um sucesso histórico, apesar de toda a sua deslegitimação. Se chegamos até aqui, é porque temos um pacto de continuidade, sustentando toda esta reforma penal.”

Para a Professora, há déficits na reforma do Código Penal, que podem ser assim divididos:
·    
- -  1º déficit: empírico – a reforma não se coaduna com o sistema prisional (não há compromisso com a redução da população carcerária. Muito pelo contrário, as alterações previstas podem alcançar um aumento vertiginoso no número de pessoas presas no Brasil).
· 2º déficit: teórico – não há qualquer compromisso com uma teoria crítica e criminológica.
·3º déficit: dialógico – com o próprio poder que pretende punir mais. Ao mesmo tempo em que se desenvolve no Brasil uma Comissão dita “plural” para alterar o Código Penal, o Ministério da Justiça monta uma rede de políticas descarcerizadoras –representada, por exemplo, pela Central de Penas e Medidas Alternativas –, além de realizar a Conferência Nacional de Segurança Pública, questionando os paradigmas de segurança pública. A Comissão não dialogou com nenhum destes trabalhos institucionais de busca de solução de conflitos. Também não há diálogo com o CNJ, que realiza os mutirões carcerários; não há diálogo com nenhuma destas instâncias, que também são governamentais.
·   4º déficit – Déficit com a CPI do Sistema Carcerário, do próprio Poder Legislativo – não há qualquer menção à realidade identificada pela CPI.

O paradoxo destes déficits: a Comissão foi nomeada, na realidade, para produzir mais penas, sem diálogo com a teoria ou com as penas.

A Professora Vera alerta: “Esta reforma não é feita para os nossos filhos, mas para os filhos da rua. Somos os gestores desta reforma, confortavelmente protegidos (em salas de aula e gabinetes), enquanto os humildes sofrerão. Somos uma elite que possui uma grande responsabilidade. Só consigo ver tragédias no fim do túnel. Qual é a potência da reforma? É a potência genocida, que trata o ser humano como objeto de mercado. Ainda é um tiro no pé. Professores universitários são a matriz ideológica do sistema de justiça. Nossa palavra talvez seja das mais importantes. Além de potencializar a dor do outro, esta reforma é um tiro no pé para nós, pois ela vai agudizar a crise do atual sistema de justiça.
Esta não é uma reforma republicana, mas imperial. O segundo imperador da Reforma é José Sarney, que preside uma Comissão que não ouve os demais. Os juristas parecem “bobos da corte” em volta de Sarney, que é uma das heranças mais fidedignas de nossa sociedade escravocrata.”

E termina sua fala mencionando a (infeliz) dedicatória feita, pessoalmente pelo relator da Comissão, aos meninos João Hélio e Ives Ota... em oposição, a Professora reage: “quero dedicar minha fala a todos os meninos anônimos que moram, morrem, sofrem em nossa sociedade. O sistema que temos é indigno!”

- O Seminário Crítico da Reforma Penal produziu uma carta, transformada em uma petição online, para que todos os que rejeitam esta proposta tão recrudescente possam se manifestar. Eu já a assinei, e você?