Resolvi ressuscitar o blog para incluir, aqui, textos, crônicas, falas públicas e outros pequenos textos. Sejam bem-vindxs de volta!
Hoje tive a satisfação de participar da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal sobre o crime de estupro no Brasil, dividindo a mesa com mulheres que proporcionaram um debate muitíssimo qualificado. A notícia abaixo resume bem o que foi falado, mas não o que foi sentido: em tempos difíceis, é sempre bom saber que há alguns espaços que permitem a abertura às mulheres, para a defesa de direitos humanos e para a discussão qualificada sobre as políticas públicas fundamentais para o empoderamento das mulheres. Fiquei muito feliz em poder ir e dar meus vinte centavos para que a discussão ultrapasse os limites do Direito Penal.
Bom dia a todas e a todos. Em primeiro lugar, agradeço o
convite formulado pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa, Senador Paulo Paim, e cumprimento todas as mulheres que compõe a
mesa para esta audiência pública, assim como todas as pessoas aqui presentes.
Considerando a composição da mesa, acho apenas necessário
indicar que as relações entre Gênero e Direito estão entre os meus mais recentes
objetos de pesquisa. Considero que é impossível não realizar um recorte de
gênero e de raça para a discussão de uma série de assuntos no âmbito do Direito
Penal. No caso do objeto da nossa audiência pública, o crime de estupro,
trata-se de recorte ESSENCIAL. Porém, como há muitas pesquisadoras feministas
nesta mesa, não abordarei a questão do crime de estupro diretamente com este recorte,
mas quero deixar claro que a luta pela igualdade de gênero é fundamental para
que possamos pensar em alternativas para a diminuição dos índices de crimes de
estupro no Brasil.
Além disso, considerando os meus interesses de pesquisa, a
discussão, no âmbito do Poder Legislativo, sobre o que se considera relevante
para o debate penal e o que não se considera, é fundamental. No Legislativo, um
aspecto a que sempre se recorre quando há algum caso de grande projeção em
nossas mídias ou em nossa sociedade é o aumento das penas para determinado
crime.
No caso do estupro, a recente aprovação do PLS 618/2015 – que criou o
tipo penal de “divulgação de cena de estupro” e uma causa de aumento de pena
para o estupro coletivo é um desses resultados, que expressaram a resposta mais
rápida possível a um problema cuja complexidade está longe de ser explicada
apenas por meio de uma lei penal.
O populismo penal – exatamente como se chama este movimento
de expansão das leis penais a partir de episódios que demandem uma ação rápida
do Estado – é muito sedutor e percebido em muitos países do mundo. O Direito
Penal contém uma perigosa inserção no inconsciente coletivo e, por meio de sua
movimentação – notadamente de sua ampliação –, o senso comum tende a achar que
a sociedade “está mais segura” quando as penas para quaisquer crimes são
aumentadas. Trata-se de uma das muitas falácias atribuídas ao Direito Penal.
Tivemos mudanças significativas na legislação penal referente
ao crime de estupro em 2009, com a aprovação da Lei 12.015, fruto de discussões
de uma Comissão Mista de Inquérito, conduzida pela Senadora Rita Camata. Após o
advento da Lei 12.015, as penas atualmente dispostas no Código Penal para o
crime de estupro no art. 213 do CP e no art. 217-A do CP são altas – mínimo de
6 anos, no caso do caput do 213, até 30 anos (quando houver resultado morte, no
caso do art. 213, §2º e do art. 217-A, §4º). O problema, no caso dos crimes de
estupro no Brasil, não são as penas baixas.
As penas mínimas foram aumentadas, as condutas se tornaram
mais complexas. Porém, qual foi o impacto desta legislação em relação à conduta
de homens (o crime de estupro é praticado predominantemente por homens no
Brasil)?
Segundo o próprio Senado Federal, quando noticiou a aprovação do PLS 618/2015, de acordo com uma pesquisa realizada, no ano passado, pelo Datafolha, 90% das mulheres entre 16 e 24 anos afirmam ter medo de sofrer violência sexual. E segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2014, o Brasil tinha um caso de estupro notificado a cada 11 minutos: foram 47.646 estupros registrados no Brasil em 2015. Em média, apenas 35% dos casos são representados ou notificados à polícia, e, portanto, 65% dos crimes sexuais no Brasil permanecem sem investigação.
O Direito Penal possui respostas muito restritas: em primeiro
lugar, sua natureza não permite a solução
do conflito. O Direito Penal nunca prometeu isso. O Direito Penal concentra
as suas atenções no autor ou na autora do crime, enquanto que o Processo Penal
fornece meios /meios de prova que, numa (re)construção da narrativa, o réu
possa ser absolvido ou condenado, e que todos os seus direitos fundamentais
seja, respeitados. Quanto à vítima, esta só é necessária para o início da
investigação de determinados crimes – como é o caso do art. 213 do Código Penal
– estupro de pessoas maiores de 18 anos e não consideradas vulneráveis -, pois,
nesse caso, a ação penal só é processada mediante representação da vítima. Após
a representação, a vítima pode acompanhar o caso, se assim quiser, e poderá ser
ouvida, se o juiz quiser, na produção da prova processual chamada “declarações
do ofendido”. Em casos de crimes contra a dignidade sexual, o Superior Tribunal
de Justiça possui posicionamento unânime, desde 2009, no sentido de que a
palavra da vítima possui alto valor probatório nas investigações de crimes de
estupro – por todos, cito recente Habeas Corpus julgado pelo Ministro Ribeiro
Dantas, na 5ª Turma do STJ (HC 290.361/SP, DJE 26/04/2016).
Portanto, as estratégias para se pensar em formas de evitar a
prática do crime de estupro no Brasil não passam, atualmente, pela alteração ao
Código Penal, e sim de ajustes às formas de visibilização destes crimes e de
políticas de segurança pública que reforcem a ocupação do espaço público por
mulheres, além de políticas públicas de empoderamento de mulheres. Segundo o
Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2015, 90,2% das mulheres e
73,7% dos jovens entre 16 e 24 anos têm medo de sofrer violência sexual.
Recentemente, defendi minha tese de Doutorado na Universidade
de Brasília, defendendo a criação de um Estudo de Impacto Legislativo para que,
antes da aprovação de qualquer norma penal ou processual penal que implique na
criação de novos tipos penais ou em alterações processuais significativas,
todas as pessoas e as entidades interessadas possam ser ouvidas e trazer suas
contribuições ao debate. Dentre as perguntas formuladas nesse meu estudo,
apresento, aqui, algumas:
1. O que é o
problema?
2. O assunto do
problema é pertinente ao Direito Penal?
3. O problema deve promover
a alteração do Código Penal ou de alguma outra lei penal específica?
4. A proposição afeta
os princípios do direito penal?
5. Quais são os
objetivos da proposição legislativa?
6. Quais são as
opções para alcançar os objetivos da proposição legislativa?
7. A proposição
legislativa foi elaborada seguindo critérios objetivos de uma determinada
política criminal? Pode-se identificar a política criminal orientadora da
proposta?
8. O objeto da
proposição legislativa será avaliado? Como? Por quem?
9. As alterações
propostas foram baseadas em dados? Em caso positivo, citá-los.
10. As alterações
propostas provocarão efeitos na estrutura do sistema de justiça criminal ou no
sistema penitenciário brasileiro? Em caso positivo, quais?
11. As partes
interessadas/afetadas foram ouvidas no curso da discussão das propostas
legislativas? Quais foram as suas contribuições para a análise da proposição?